segunda-feira, 18 de outubro de 2010

ab initio

Há três dias fez um mês que estou aqui. Mais parece um ano... O tempo aqui não é cronológico, é metafísico. Parece que sempre fui daqui, que já conheço tudo. Acho que é culpa da minha falta de habilidade de desenvolver raízes. Não sinto falta do Brasil. Das pessoas, claro que sinto. Amigos, família, marido, gato-filho... mas de certa forma parece que já estou distante o suficiente pra não deixar isso me afetar (espero que isso não soe mal, não sei se me expressei bem). Talvez no inverno piore, talvez bata uma deprê de leve... Internet facilita bastante as coisas. Tenho falado o máximo que posso com as pessoas queridas dos trópicos e isso tem me ajudado a manter o equilíbrio interno. Também sei que todos querem que eu esteja aqui e que eu aproveite ao máximo essa oportunidade. Talvez por isso eu esteja tão bem.

Lisboa é uma cidade muito engraçada. Não dá pra definir bem se é velha ou nova. Tem dessa coisa meio heideggeriana de se abrir velando e vice-versa. É tudo muito desconexo, meio aleatório, pois descubro lugares incríveis nos espaços mais incomuns... A cidade parece ter vida (se bem que isso acho que todas as cidades parecem ter)e interagir comigo diretamente. É ritmo. É sentir a cidade nas pedras do Castelo dos Mouros, que estão lá há mais de dez séculos, por exemplo. Sim, eu sei que o Castelo dos Mouros é em Sintra, mas dá no mesmo.
As ruas são incríveis, são subidas e decidas incansáveis, com uma surpresa a cada esquina. Na Baixa-Chiado, por exemplo, tem dezenas de livrarias antigas escondidas entre casas de gente comum e cafés. É uma delícia andar a pé o dia todo, horas a fio, conhecendo os lados bes que os turistas geralmente deixam passar, mas que ao mesmo tempo só o estrangeiro sabe valorizar. Eu gosto de ser estrangeira aqui.

As pessoas daqui são muito diferentes das do Brasil. Mas não tem nada a ver com essa nossa idéia de serem grossas ou mal-educadas. É cultural! São muito práticos, pragmáticos, sarcásticos. Mas é tudo muito natural, por isso não vejo razão para me incomodar. Acho que quem se submete à imersão em qualquer outra cultura tem que, acima de tudo, respeitá-la.

Ainda não consegui formar uma opinião exata sobre os jovens daqui. Talvez pelo fato de todos (ou quase) os meus amigos (sim, aqui fazem-se amigos em uma semana) serem estrangeiros. Ando com espanhóis, italianos, alemães, turcos, brasileiros, checos, polacos e alguns outros de algum lugar do mundo. Adoro esse intercâmbio de informação, língua, gosto, experiência. Acho que convivendo com eles estou aprendendo muito mais que qualquer universidade poderia me ensinar. (Calma vó, isso não quer dizer que eu não estou interessada em aprender nada na universidade!)

Aliás, o ensino aqui não é nada demais, falo mesmo. Não é que seja ruim, mas não super a UFF, nem de longe. Penso que seja porque aqui graduação não é nada demais, não é sequer uma especialização, isso fica pro mestrado e tudo o que vem depois dele. É quase como se fosse banal um jovem frequentar a universidade aqui. Não é nada demais, é comum, todos o fazem. Talvez por isso o ensino não seja tão "sério" (se bem que "sério" não é a palavra certa, acho que rígido cai melhor). Parêntese: O departamento de estudos clássicos é um pouco melhor, mais dedicado eu acho. As cadeiras de grego estão sendo as melhores até agora. Fecha parêntese. Aqui nem existe pesquisa na graduação, os professores na verdade se espantam se vc menciona algum tipo de investigação científica ou trabalho com fontes ou qualquer estudo um pouco mais profundo sobre um tema. Apresentei um projeto que já havia iniciado no Brasil para um professor de uma disciplina ligada ao tema e ele pediu pra eu simplificar as coisas! "Não, não, isso tá muito desenvolvido, quero coisas mais simples, fale sobre menos coisas, não estou buscando nenhum trabalho sério". Basicamente isso foi o que ele disse. Espero que quando eu esteja aqui novamente para mestrado as coisas mudem. Mas está valendo tudo a pena, até porque é um universo completamente diferente, desde os alunos até os professores, passando pelas instalações dos prédios. É tudo experiência.

Claro que, entre livros e artigos, também estou aproveitando todas as oportunidades de sair, conhecer outros lugares, outras pessoas, viajar e tudo o mais. Neste fim de semana que passou aluguei um carro com mais quatro amigos e dirigimos trezentos quilômetros para o sul. Lagos, Algarve. Maravilhoso. Daqui a pouco faremos a mesma coisa para o norte. Depois cruzaremos as fronteiras... o céu é o limite!
Mês que vem tenho três viagens já fechadas: Milão - Marraquexe - Londres. Em dezembro quero mais... descobri que viajar é a melhor forma de gastar em euros sem se arrepender! Tudo vale a pena!

Criei esse blog pra poder documentar e dividir uma centelha do que estou vivendo aqui. É bom pra mim, que exercito a arte que tanto gosto de escrever, e bom para os meus queridos do Brasil, que têm agora mais um meio de saber o que tenho feito.
Vou tentar postar novidades sempre que puder.
Leiam e comentem sempre que puderem também.
Beijos alegres e animados com o que está por vir!

Um comentário:

  1. Oi Aninha. Muito bom esse seu olhar sobre a cultura do outro. Nada eurocentrico, eu diria...rsss. Até porque estamos falando de um outro que também comete imperfeições, tam cultura própria, diferente da nossa, mas que também pode representar um universo de possibilidades...e isso é o grande barato da história (me perdoe o trocadilho!). [con]viver é [re]descobrir e isso você está fazendo muito bem, pelo visto.
    Beijos e no aguardo de novas aventuras em terras lusas. Ou seria melhor, em terras estrangeiras?

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