domingo, 27 de fevereiro de 2011

Hoje faz uma semana que deixei Lisboa. Parece muito mais. Mas espere, deixe eu me desculpar antes... Tenho alguns muitos textos semi-escritos, nenhum acabado, sobre outras viagens que fiz e sobre tudo o que pude resumir sobre o que é viver na Europa. Mas não publiquei nada, eu sei. Aliás, faz tempo que não consigo publicar... não consigo terminar os textos, não me dão vontade de escrever... E enquanto estava lá, também faltava tempo pra isso. Tempo e vontade. Mas agora senti essa vontade de novo. Acho que preciso. Pretendo, um dia, se possível, em breve, terminar o que já escrevi e postar tudo aqui. Mas agora quero mesmo é falar dessa transição absurda pela qual passei e ainda passo.

Como estava dizendo, há uma semana saí de Lisboa, minha cidade mais que amada, mais minha do que a minha prórpia. Não é segredo a ninguém que eu não queria muito vir. Mas a vida é a vida e não é feita só de quereres. Precisava voltar... Quer dizer, hoje questiono se precisava mesmo, se não dava pra ter ficado mais, mas tinha realmente coisas a fazer aqui. Bem, já cá estou, então deixe estar.
Cheguei e achei tudo feio e triste. Acho que o que senti – e ainda sinto – vai muito além da tal “depressão pós-trip” que as pessoas falam. É uma tristeza genuína e uma angústia de voltar. Desde a tarde em que cheguei deixei claro para todos que já estava de saída. Tracei todos os meus planos para obter o mais rápido possível meios de estar lá de volta logo. Passei a escutar cada tique do relógio, a cada segundo, só para saber que a cada instante faltava menos para o momento de sair daqui. É um pouco neurótico, eu sei.

Fiquei mais triste por perceber que será, no mínimo, trabalhoso eu voltar como quero. Nessas horas, o tempo não passa. Todo o esperar parece muito. Minha ansiedade e angústia só se reforçaram a cada hora que passava. Estava mesmo sofrendo, mais do que devia, eu acho. Cheguei ao ponto de ver preços de passagens para voltar no dia seguinte – utopia minha, claro.

É que essa ansiedade vem de uma sensação muito estranha mas muito genuína, é uma certeza do que se tem que fazer que parece mesmo vir das entranhas, rasgando, dá pra sentir essa urgência no corpo todo. É estranho não saber de nada, muito menos do que vai acontecer no futuro, mas se ter certeza do que deve ser feito. Acho que nunca tinha sentido isso na vida, não tão forte.

Fico triste de saber que essa minha vontade inabalável de voltar deixa pessoas queridas tristes... Eu vejo que quem me esperava agora sofre em dobro por saber que cheguei, mas que estou voltando. É ter esperado esse tempo todo pra agora ter que se despedir de novo... Sinto muito mesmo, principalmente porque quem se aborrece com isso é quem eu mais quero ver bem. Mas mesmo que eu me sinta mal, essa certeza do que devo fazer transpassa e supera tudo. É que é mesmo uma coisa necessária, urgente, um insight daqueles que nos faz passar a vida tentando decifrar seu significado.

Todos os dias só pensava em voltar e minha ansiedade ia crescendo, crescendo (me absorvendo... rs). Percebi que enlouqueceria brevemente. Tenho tentado me acalmar. A corrida na praia todo dia até meia-noite ajuda, não sei bem o por quê. É curioso que existe aqui um ônibus (que, aliás, eu nunca tinha visto antes) de uma empresa chamda Braso Lisboa e que, por capricho do Universo, sempre passa por mim quando estou correndo e pensando em Lix. Interpretei o tal ônibus como um sinal. Quer dizer que essa conexão dos trópicos com o velho continente não é tão distante assim. Será? Gosto de pensar que sim... Quando vejo a Lua, tenho a mesma sensação...

Faço coisas, leio o livro do Chico, não o “Leite Derramado”, que comecei a ler lá, num sofá, num lugar, encostada em alguém, mas o “Budapeste”, que só por ser do Chico já me transporta um pouco pra Lisboa. Ouço músicas que ouvia lá, falo com as mesmas pessoas. Rabsico no meu moleskine, como se nada tivesse mudado. Ouço o CD de fado novo que ganhei de presente de pessoa tão especial. Tento me acalmar por meio dessa memória, busco incessantemente a manutenção do momento que já foi. Não quero o afastamento, quero passar todos os dias que ainda tenho que passar aqui de alguma forma ligada a Lisboa. Quero não esquecer, não perder a ansiedade, quero essa loucura de seguir os impulsos. É uma pressa muito intensa, preciso manter o tinha, morro de medo de chegar e , passados os meses, tudo ter mudado. É uma urgência metafísica, ou melhor, é uma urgência quântica. Preciso controlar o tempo. Congelar as pessoas. Ter tudo igual, pois que tudo era mesmo perfeito. Não quero perder isso. Quero continuar querendo. Por isso, por um lado, não quero me acalmar. Quero a angústia que me motiva. Quero ser impulsiva e passional até o fim. E seja o que Deus quiser...

Entretanto, para que o convívio comigo mesma se torne ao menos suportável, resta-me uma busca por paz e tranquilidade. Quero que comecem logo as aulas e o trabalho para os dias ficarem cheios e passarem mais rápido. Quero fazer tudo o que quero fazer e saber que, com isso, poderei fazer o que quero. Sei que posso. Sei que é só uma questão de tempo e disciplina. Acho que o lado bom dessa angústia incontrolável é que nunca me senti tão motivada e tão propensa ao sacrifício. Estou disposta a seguir com garra mesmo quando estiver cansada, como faço quando estou correndo. Parece que corro em direção a Lisboa, então abraço a dor e o cansaço com a minha alma e me alimento deles. Sei que serão meses de trabalho duro – ainda mais se comparados com os últimos seis meses -, mas estou mesmo disposta a dar tudo de mim, pois sei que no final estarei exatamente onde quero estar. E essa é a recompensa maior, é o meu Jardim do Éden.

Tem uma coisa engraçada que acontece. Não sei se é porque faz pouco tempo ou porque minha alma está realmente lá, mas ainda não separo muito bem os lugares. Às vezes parece mesmo que ainda estou andando pelas ruas da Baixa. Parece que vou virar a esquina e ver a bela Sé, ou seguir até a Rua da Adiça. Se fechar os olhos, consigo me sentir dentro do quarto de tom avermelhado. Sinto que a qualquer momento vou ligar para as meninas e iremos dar uma volta pelo Rossio e parar no Mc Donalds. Depois, passaremos no Bacalhoeiro e tomaremos uma cerveja. E tudo continuará o mesmo. É sério, é mesmo engraçado isso. Parece que sou duas e que eu – ou parte de mim – está mesmo lá, congelada no momento. Vai ver ficou parte minha lá mesmo, e essa parte me falta.

Sinto mesmo falta das coisas. Não é exatamente essa tal “saudade” que só na nossa língua existe, mas é mesmo uma falta quase física de algo que nos pertence e que não está. Ficaram pedaços de mim na Alfama, à beira do Tejo, no acordar às cinco da tarde e respirar Lisboa, em andar de pijama até o mercado da estação de Santa Apolônia. Me faltam as pessoas. Me faltam as ruas com suas subidas e descidas. Me falta a paixão. Sinto falta das músicas, das escadas, da poesia. Em cada dessas coisas ficaram alguns fragmentos de Ana, como fragmentos de luz que se dispersam num vitral. E agora sei que preciso estar lá para juntar os meus caquinhos de luz e fazê-los raio de novo.

Lisboa me surpreendeu. É mesmo o meu lugar, de todos os lugares do mundo. É onde estou. Parece que me fundi com cada esquina da cidade e já não há mais separação entre o meu corpo e o espaço. Fazemos parte uma da outra e caminhamos juntas, nos carregando.

Peço que o tom melancólico seja perdoado, posto que é verdadeiro. Mas até nesse sofrer há beleza. A beleza de ter encontrado algo que lhe preencha, algo para o qual voltar. Algo que derrube todas as construções e descontrua todos os castelos. É romper com o mundo e queimar os navios, mas fazer isso tendo a certeza de que se está fazendo o certo. É querer esse desmoronar de tudo o que se tinha antes mais que tudo. É a consciência de que algo de muito bom virá, mesmo que, no começo, essa destrução de tudo pareça o caos.

De toda essa ânsia, busco aprender algo. Tenho tido tempo de refletir e acho que cheguei a uma conclusão. Deixo então meu conselho para todas as pessoas e espero verdadeiramente que, pelo menos uma vez na vida, todas elas possam compartilhar disso. Eis que é isto: É preciso apaixonar-se. Por um estudo, por um livro, por uma escrita, por uma cidade, por uma rua, por uma vida, por uma alma, por um corpo, por um quarto, por uma comida, por um supermercado. Mas apaixonar-se por completo, deixar de ser o que se era e virar um mero portador, um receptáculo dessa paixão. Deixar transbordá-la e dar lugar para que ela seja agora todo o seu ser. A angústia e a ânsia que vêm com essa catarse são mesmo quase insuportáveis, mas tudo é compensado pela sensação de se estar vivo, de ter motivos, de querer e buscar algo do fundo da alma, de se ter a certeza. Há, para isso, que se deixar de lado a covardia que tão frequentemete toma conta de nós. Há de se esquecer que o risco da queda é grande, e pular mesmo assim. Esquecer-se que nunca vamos saber mesmo se algo vai ou não dar certo. É preciso sairmos daquela zona de conforto onde a vida que se tem nos parace muito mais fácil. Tem de se estar disposto a viver com a vontade de cada dia, esquecendo que a vontade de amanhã pode ser diferente. Não importa. Mudar não é tão mal assim. Penso que seja daí que venham as coisas e sensações mais verdadeiramente maravilhosas da vida.

Um comentário:

  1. A minha cidade merece-te mesmo.... acho que ningém merece mais esta cidade que tu...

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