Caos. Essa pareceu ser a palavra de (des)ordem por aqui. Chegamos em Marraquexe por volta das duas da tarde, abençoados por um céu azul e um sol quentinho, coisa que merecíamos depois dos seis graus de Milão.
Pra não variar, quase que a viagem não sai, pelo menos pra mim, que perdi a hora completamente e cheguei na estação de Lisboa com o trem já desembarcando para o Porto. Mas, depois dos susto, tudo deu certo. Aquela coisa de sempre, sair de Lisboa, ir para o Porto, chegar ao aeroporto do Porto, pegar um avião e, neste fim de semana, aterrisar em Marrocos.
Assim que chegamos na cidade em si, Marraquexe, tomamos (ou pelo menos eu tomei) um choque de realidade. É um outro universo. Os cheiros fortíssimos, as cores, as pessoas, os bichos, as motocas, os cavalos, as orações, é tudo misturado num espaço muito pequeno. O cérebro fica confuso, é muita informação. Na praça principal tem de tudo: um comércio gigantesco com milhões de barraquinhas que vendem desde frutas secas até bolsas de grife falsificadas. A crueldade com os animais é vergonhosa; há cobras, macacos, corujas, porco-espinhos, lagartos, todos sendo expostos para turistas, numa forma de espetáculo que não tem nada de espetacular. Não inventaram aqui a calçada: carros, pessoas, charretes e motocicletas passam umas entre as outras a todo o minuto. Também não existe semáforo; a “parada” é “ir na fé”. Há uma mistura desagradável de cheiros, de temperos, de essências, de pessoas, de animas e seus excrementos, de óleo de motor, de tudo o que se possa respirar. Os barulhos não cessam um só minuto: são tambores que soaram de momento em que chegamos até irmos dormir, são flautas desafinadas que os encantadores de serpentes não se cansam de soprar. As pessoas – à excessão dos turistas – são pobres e feias e tem cara de fome ou de psicopatia. As ruas são estreitas e iguais, ainda mais que aqui todas as construções são da mesma cor de telha. É um frenesi contínuo o entrar e sair, virar e seguir esquinas e ruas, um labirinto que faria inveja ao próprio Dédalo. Como disse: caos.
Depois que se habitua os sentidos a essa estranha realidade (parodiando meu caro Castañeda), as coisas não são tão ruins assim. É realmente interessante perceber como isso aqui é outra coisa. Tem que ter aquele olhar antropológico e buscar a alteridade. Parece uma mistura de África com Índia, em tudo o que há de melhor e de pior.
Bem, ao finalmente chegarmos ao nosso hostel, acertamos as coisas e voltamos para a praça, à procura desesperada de comida. Todos acharam pertinente experimentar as comidas típicas, já que estávamos aqui. Eu tive meus receios, mas topei. Decidimos por um restaurante razoavelzinho onde resolvemos pedir quatro pratos diferentes e experimentarmos todos um pouco de tudo. Algumas coisas eram boas, como o cuscus, outras não gostei, muito condimentadas, amarelas de açafrão e sei lá mais o que, como um tajine de alguma coisa. Apesar das diferenças entre os paladares, estávamos todos alimentados. Fomos então à melhor parte da viagem: pechinchas e compras! (Obs: éramos oito mulheres e dois homens andando em grupo...)
Lenços, bolsas, sapatos, laranjas, damascos, chaveiros, postais, doces típicos, mais lenços. Deve haver algumas centenas de barraquinhas aqui, sem exagero. Aprende-se logo que não existe comércio sem barganha ou pechincha. Todo o preço é redutível, na maioria das vezes até a metade. É um pouco engraçado manejar o dinheiro daqui, que vale bem menos que o euro. Troquei 50 euros no aeroporto e deu mais que 500 dihrans. Parece até que temos muito dinheiro! As coisas não são bem caras, se você souber negociar. Couro é bem barato. Os lenços são lindos, mas alguns são caros. Dá pra comprar uns bem bonitos por mais ou menos 5 euros, o que não é tão mau assim. Tem muuuita coisa falsificada, parece o Saara ou a 25 de Março. É Prada, Chanel, Louis Vuitton, Dior e tudo o mais. Mas as coisas daqui mesmo são bem mais legais... as bolsas de couro (de camelo?) adornadas com moedas locais, as sapatilhas pontudas à la Aladin, as pashminas brilhosas de todas as cores possíveis...
Enfim, depois de conhecermos o universo das compras, voltamos para o hotel, dispostos a encontrar algum pacote turístico baratinho pro dia seguinte. Conseguimos um a bom preço, 210 dirhans, ou seja, 21 euros. Depois de fecharmos o pacote, parte do grupo voltou para a medina para dar mais uma volta e pegar mais dinheiro e a outra parte foi ao mercado pegar uns lanchinhos para o dia seguinte, já que imaginamos que não seria muito fácil encontrarmos comida no meio do deserto. De volta ao hotel, era hora de tomar banho (para alguns, rsrs) e descansar, pois no dia seguinte acordaríamos bem cedo, às cinco, junto com a primeira reza dos muçulmanos.
Passado o susto dos sons entoados de forma desafinada no que parecia ser um megafone na hora da tal reza, levantamos, tomamos banho (novamente, alguns...) e fomos para o hotel central tomar “café da manhã”. Não se podia chamar bem de café da manhã, já que o que havia era chá, café, pão com cheiro de camelo e manteiga sem gosto. Ah, pelo menos o mel era bom... De qualquer forma, comemos tudo para “forrar o estômago” o máximo que pudéssemos.
Partimos então para uma van, onde estavam o motorista-guia Mustafah e um casal de suecos. No começo, tudo era festa e excitação, o que logo logo acabou quando percebemos quepão com gosto de cavalo e curvas não eram uma boa combinação. Muitas curvas, muito tempo, muita velocidade, muito enjôo. Cada cara parecia pior que a outra, todas pálidas, tristes, como se fossêmos botar tudo pra fora a qualquer momento, o que de fato aconteceu com duas das nossas tripulantes. Paramos algumas vezes na estrada para ver coisas interessantes e coisas não tão interessantes assim. O destino que todos almejavam era mesmo o tal do deserto, com direito a uma voltinha de camelo, então ver montanhas ou cactus ou plantações de oliveiras não estava nos animando tanto, ainda mais com o frio cruel que tínhamos que enfrentar cada vez que saíamos da van. Ah, mas a pior parte mesmo não era nem a náusea nem o frio, mas a música irritante que insistia em tocar. Gritos e gemidos desafinados acompanhados por uma flauta chata e uns tambores que davam dor de cabeça e agonia ao mais paciente dos mortais.
Após algumas horas de viagem, chegamos ao primeiro lugar realmente interessante – que, aliás, não sei o nome, assim como não sei o nome de nenhum outro lugar, porque não entendia absolutamente nada do que o guia falava – onde subimos a umas ruínas e vimos uma paisagem realmente bonita. Segundo o guia, foi ali que foram gravadas cenas do filme “Gladiador”. Havia umas lojinhas interessantes no caminho dessas ruínas, mas o guia sempre se irritava quando parávamos e demorávamos. Compreensível, já que havia nove mulheres e apenas dois homens, certamente submetidos às nossas volições consumistas.
Logo depois paramos novamente para almoçar (o que não fizemos, pois já havíamos “beliscado” coisinhas no ônibus) e depois seguimos para o tão esperado “deserto”, que não era bem um deserto, não tinha areia, nem dunas, nem oasis, nem miragens. Era mais um monte de pedra e paisagem árida, no meio do nada, onde três camelos magrelos e morgados descansavam do sol e do calor no meio de moscas e esquilos que vinham roubar umas nozes ou castanhas ou algo do tipo. Anyway, pagamos o equivalente a dois euros para subirmos, darmos uma voltinha e tirarmos umas fotos. Valeu a pena, pois não é todo dia que se sobe na garupa de um ruminante... Os bichos eram tão feios que chegavam a ser bonitinhos! Dei até um beijo num deles...
Depois das devidas fotos, seguimos pra a Hollywood marroquina, um lugar com diversos estúdios onde, segundo o guia, foram filmados filmes como “Cleópatra”, “Alexandre, o Grande”, “A Múmia” e praticamente todos os outros que tem como cenário o nada. Depois de pararmos por lá, era hora de voltar para Marraquexe, pegar toda a estrada e todas as curvas de novo, mas não sem antes darmos uma carona a dois espanhóis que tiveram problemas com o transporte em que estavam. Aperta aqui, encolhe ali, lá fomos nós. Desta vez, o guia estava ainda mais desvairado, acelerando nas curvas já ao anoitecer, para o desespero geral da nação. E a maldita música continuava, cada vez mais lata e mais irritante...
Felizmente, algumas horas depois voltamos ao centro, esfomeados e sujos, com aquela sensação de que já estava na hora de voltar para a nossa querida Lisboa. Fomos deixar as coisas no hotel e voltamos para comer. O segmento cool do grupo se aventurou a ingerir mais condimentos e comidas típicas fedorentas. Nós, os conservadores, fomos mesmo ao KFC, God bless America. Vale dizer que era um KFC, mas era em Marraquexe, ou seja, assepcia zero. Tudo bem, a esta altura do campeonato já não importava mais. Depois de comermos ainda fomos andar um pouquinho e encontrar o resto da galera, pra depois voltarmos para o hotel. Mas, ao chegarmos, nem fomos descansar, como era de se esperar. Fomos para o terraço, primeiro um pequeno grupo, um trio na verdade, eu, Sarah e Marina, mas logo depois vieram todos e ficamos algum tempo lá, encolhidos sob as cobertas, conversando sobre essas coisas que sempre se conversa quando se está no meio de amigos em Marraquexe: "pegações", música, coisas nojentas e quem se lembrava da morte de personalidades, de Senna a Claudinho e Buchecha (não sei qual dos dois), passando por Michael Jackson e Lady Di.
Depois de um tempo, o frio e o sono nos obrigaram a entrar e ir para a cama. Fomos e desta vez o cansaço era tanto que, pelo menos eu, nem ouvi a mesquita chamar seus fiéis. Acordamos um pouco mais tarde, umas oito e tal, para tomarmos banho (desta vez, havia shampoo!!!) e tomar o café da manhã, o que eu, pessoalmente, não estava nem um pouco ansiosa para fazer. Era a mesma coisa: pão de camelo, mel, manteiga sem gosto, chá ou café. Tomei um suco que compramos no mercado e comi um pouco de pão com mel. Resolvi deixar pra comer melhor na rua, o que, na verdade, só acabei fazendo no aeroporto.
Fomos mais um vez para a praça com as barraquinhas, com a intenção de gastarmos nossos últimos dirhans. Mal sabia eu que, ao invés de gastar o que restou e pronto, ainda tive que ir ao banco sacar mais quatrocentos “dinheiros” (era assim que a gente chamava a moeda), porque vi uma mala de viagem incrível de couro marrom, super chic, que resolvi comprar para o Marcelo (e, caso ele não goste, fica pra mim mesmo, porque a mala é i-n-c-r-í-v-e-l!
Depois de mais umas comprinhas, voltamos para pegar as malas no hotel e ir para o aeroporto. Claro que nós, mais uma vez, quase nos atrasamos para o avião, porque sumiu o iPod da Bruna. Complicações à parte, chegamos ao aeroporto e ainda deu tempo de comer uma tortilla e um croissant de chocolate. O vôo de volta foi ótimo, parte porque foi rápido mesmo, parte porque o avião não estava tão cheio, mas ainda acho que pesou o fato de estarmos, finalmente, voando de volta para “casa”.
Juro que o ar do Porto, ao desambarcarmos, era muito mais puro do que o de Marraquexe. Era como beber um copo d’água bem geladinho quando se tem muita sede. Nossos pulmões se sentiam sujos e sedentos de ar, e ao primeiro inspirar pareceu que tudo se limpou e satisfez. Talvez eu esteja exagerando, mas pareceu o ar mais puro e cheiroso que já respirei. Dava até pra sentir o cheiro do mar... No aeroporto, o rebanho se separou e eu, Sarah e Gui fomos pegar o metro para ir até a estação de comboios e voltar para Lisboa e o resto do grupo, Paula, Bruna, Juliana e Estela ficaram por lá, pois iam para a night no Porto.
Quando chegamos à estação, ainda faltava mais de um hora para a partida do nosso trem, então fomos fazer mais um boquinha (sim, a gente come!) e esperar o tempo passar. No momento, estamos dentro do Comboio, parados em Coimbra, a caminho de Lisboa. Espero que cheguemos dentro de mais ou menos duas horas, lá pelas 22h...
Bem, considerações finais, apesar deste post gigantesco falando mal de diversas coisas da viagem, ao contrário do que se possa pensar, eu realmente gostei da viagem. É incrível estar submerso em uma cultura completamente distinta da nossa. Eu pude ver como aquelas pessoas vivem e como o que é normal para elas causa tanto espanto entre a gente. Teria me arrependido se não tivesse ido. Valeu tudo a pena. As compras, as vistas, as pessoas, os camelos, o pseudo-francês misturado com inglês e português que tínhamos que falar com os nativos, já que não falávamos nada de árabe nem ber bere. Mas, como disse, já era hora de voltar. Foi curioso ir de Milão a Marraquexe no intervalo de uma semana. As vitrines impecáveis e reluzentes das grifes versus as tendas manchadas e rasgadas das barracas das feiras. Os salto-altos de sola vermelha Loubutin contrastando com as sapatilhas abertas, surradas, pontiagudas, de sola baixa, quase que uma folha de papel entre os pés sujos e o chão, mais sujo ainda. Mas eu vi beleza nos dois e acho que isso é o que importa. Gostei muito de ter passado por essa experiência (talvez sem a parte das curvas e da náusea) e acho que faria algo parecido, ir para a Índia ou o Egito ou outros lugares assim. Só por uns dias, claro...
Nosso próximo destino seria Londres, e digo no futuro do pretérito pois não sabemos mais se vamos, apesar de termos as passagens compradas. Parece que tem um esquema especial para entrar no Reino Unido que foge às regras aduaneiras da EU. Como nosso visto só nos permite duas entradas (por enquanto, pois em dezembro pegaremos a residência, yay!) – Portugal contou a primeira e países que não façam parte da EU, como o Marrocos, contam também – estamos com medo de irmos até Londres e ficarmos na porta. Mas nada é certo ainda, pode ser que o pessoal arrisque ir, pode ser que não... estou mais inclinada a deixar pra próxima, afinal foram só 38 euros a passagem...
Mas não se desesperem, caso eu não vá, continuo postando coisas aqui, sobre Portugal mesmo, ou sobre a próxima viagem, cujo destino ainda é desconhecido. Rumor has it que alugaremos um carro para dirigir a Europa toda, até onde o dinheiro para a gasolina der. Mas estes são planos futuros, para depois das aulas acabarem... até lá, tenho alguns destinos (e algumas companhias brasileiras!) em mente... mas estas são cenas dos próximos capítulos...
Então...beslama!