Eu sempre achei uma baboseira essa coisa de dizerem que só se é feliz acompanhado. Dizer que amigos e família são tudo na nossa vida... achava mesmo tudo isso muito chato. Pensava "bom mesmo é ser livre, viajar o mundo, conhecer pessoas e logo depois dizer adeus para elas, sem dor, sem nós nos laços, trocar experiências e caminhar sempre mais um pouco, não parar nunca". Dizia que não tinha o que as pessoas chamam de "raízes", nem com meu país, nem com meus melhores amigos, nem com minha família, nem mesmo com alguém que eu tinha escolhido para passar o resto da vida junto. Nada poderia me "prender" ou me impedir de aproveitar alguma oportunidade de descobrir coisas novas, de aprender, viver.
Pensava que dedicar o tempo à leituras intermináveis, saber e conhecer o máximo possível, isso sim era ser feliz e realizado. Só queria isso, conhecimento. O resto é descartável, é apêndice...
A imagem de um velhinho em seu escritório, sozinho, rodeado de livros incríveis, todos há muito já lidos, com suas memórias de cada lugarzinho escondido no mundo, cada gosto de cada atmosfera já habitada, gostos do mundo inteiro... essa era a minha idéia de felicidade. Estudar, viajar, conhecer, ver, experimentar, saber. Teria coisa melhor? Sempre que eu ouvia alguém dizer "eu não sou nada sem meus amigos" ou "eu não saberia viver longe da minha mãe" eu dava um risinho sarcástico e pensava estar num nível superior a eles, porque eu não precisava de nada disso...
Tanto é que virei as costas pro Pão de Açúcar, fiz as malas e parti pra cá. A excitação da novidade, as pessoas tão interessantes, os lugares que os olhos vêem... é tudo incrível e tudo prova(ria) minha teoria: o bom da vida é isso mesmo, viajar, conhecimento!
Por isso, até decidi ficar mais tempo aqui, decidi não voltar para o Brasil por enquanto, mas continuar experimentando o sabor exótico de estar em contato com coisas novas a cada dia.
Continuo afirmando convicta e veementemente que viajar é uma das melhores coisas da vida, se não a melhor. Mas essa história de ser ermitão, sozinho no mundo consigo mesmo, sendo livre para ir e vir quando e onde der na telha não está com nada.
Precisou eu estar numa das cidades mais belas do mundo, numa das datas mais comemoráveis, para perceber que o homem é de fato, em essência, um animal social (como já previu há tanto tempo meu querido Aristóteles).
Estou em Paris, dia 31 de dezembro, momentos antes da virada do ano, data que sempre foi meu feriado favorito. Da minha varanda, vejo as luzes da Cidade Luz, sentindo na pele o vento frio que faz com que o zero grau que está fazendo pareça ainda pior.
Em Paris, no reveillon. Uma data planejada há algum tempo e com algum cuidado, pois sempre achei que seria uma experiência memorável, Paris no reveillon.
Precisou estar aqui, precisou ser hoje, para eu entender pela primeira vez o verdadeiro sentido da palavra saudade. Saudade das coisas mais simples e mais rotineiras. Saudades daquele grupo que eu sempre encontro todo dia 31 de dezembro. Saudades da rabanada da Beira Mar que a tia Nina sempre encomenda. Saudade dos amigos (sim, amigos mesmo) que eu fiz aqui nesses meses e que estão, nesse momento, todos juntos, sem mim, em Barcelona. Saudade do meu filho-gato apavorado com o barulho dos fogos. Saudade do cheiro do meu travesseiro e da comfortabilidade inigualável que ele apresenta depois de uma noitada, quando se chega acabado e com maquiagem borrada já de manhã. Uma saudade incrível dos meus professores de filosofia da UFF!
Não acredito mais que exista alguém que não precise de ninguém. Não acredito que eu possa conseguir viver o resto da vida assim, como eram meus planos...
Eu trocaria os fogos (simbólicos, porque aqui não tem) da Tour Eiffel por passar a noite com as pessoas queridas. Por receber ligações da Tia Porfíria me desejando do fundo do coração tudo de bom, por abraçar a minha avó à meia noite e ouvir ela dizer "juízo, minha filha...", por festejar alegremente com os meus amigos na praia de Icaraí e dar risadas meio embriagadas até o dia clarear. Ou, se não pudesse estar no Brasil, por abraçar cada um dos meus amigos de Lisboa e dizer "Feliz Ano Novoooo!!!". Eles, mais do que qualquer pessoa, entendem perfeitamente essa saudade, pois estão na mesma situação que eu e, de certa forma, estarmos juntos ameniza essa depressão que bate quando a gente se dá conta de que cada escolha que fazemos na vida implica uma exclusão, não importa quão boa a escolha seja.
A gente nunca está mesmo satisfeito, outra característica da essência humana. Conheço tantas pessoas que dariam de tudo para estar no meu lugar agora...
Meus planos continuam os mesmos, ficar mais aqui, conhecer mais, pensar em mim e no meu futuro acima de qualquer coisa ou pessoa. Mas esses planos agora carregam um tom melancólico, um quê de tristeza, mesmo que eu seja eternamente grata por tudo o que vivi aqui na Europa. Quero continuar viajando, quero continuar conhecendo, mas hoje eu sei que meus pensamentos eram apenas falsas convicções disfarçadas por trás de uma suposta ideologia cool.
Marcelo, obrigada ter vindo e por fazer com que a falta que eu sinto de casa se torne um pouco mais suportável...
Amigos do Brasil, só agora eu valorizo essa coisa que a gente chama de amizade. Nunca pensei que nenhum de vocês poderia me afetar tanto (sorry pelo tapa na cara, mas pelo menos agora eu sei!).
Família, obrigada por ter ajudado a moldar o que eu sou e, consequentemente, onde eu estou hoje. Toda essa experiência tem sido incrível e eu nunca teria chegado aqui sem vocês... Vó, Vô... só agora eu saberei dar importância a tudo o que passamos juntos e a quanto vocês foram, são e sempre serão essenciais pra mim.
Erika, Tia Nina, Paula, Felipe, Lucinha, Lourdinha, Tia Porfíria, Tio Jaime, Pai, Vó Stella, Zé... apesar de toda a insanidade dessa mistura, eu não escolheria família diferente, mesmo que pudesse.
Por fim, gostaria de dedicar esse texto àqueles que eu conheci aqui e que de verdade mudaram a minha vida pra sempre. Annanda, Marina, Paula, Bruna, Natasha, Gui, Tuna... eu sinto falta de todos vocês hoje. Nunca pensei que fosse possível me apegar tanto a pessoas que conheci há poucos meses...
Marina e Annanda, eu agradeço a Deus todos os dias por ter ido parar na mesma casa que vocês! Às vezes eu ficava pensando com qual das duas me identificava mais e cada hora pensava uma coisa diferente. Mas depois eu entendi! Vocês duas, juntas, como tem que ser, são o uno com quem eu me identifico! A Marina é o meu lado calmo, sensato, pensativo, libriano, que dá risadas profundas e leves... A Annanda é o meu lado passional, desvairado, impulsivo, que tem dúvidas, apaixonado, que xinga logo quando alguém irrita! Vocês duas foram o equilíbrio perfeito para a minha convivência comigo mesma! Obrigada por tudo!
Paula, nós somos tão diferentes... mas, pra surpresa de nós duas, morremos de saudades e nos sentimos desfalcadas, incompletas, quando uma de nós viajou sem a outra! Acho que eu precisava de alguém como você aqui, pra me fazer lembrar que nem todo mundo pensa igual a mim e que no fundo é isso que enriquece as relações que formamos! Adorei todas as nossas viagens juntas, mesmo as que vc dirigiu! Rsrs... Obrigada por tudo!
Bruna, você é, sem dúvidas, a minha maior surpresa aqui! Uma menina que chegou do nada, quando o bonde já estava formado, já veio se convidando pra tudo, só porque é loira e linda, achando que já podia entrar assim no grupo... mas você pode mesmo! A pessoa mais espontânea e verdadeira que eu conheço... Você fez com que cada dia que passamos juntas aqui fosse mais divertido, pode ter certeza disso! Obrigada por tudo!
Natasha, você é louca e eu achei que ia querer te enforcar no primeiro dia que a gente se conheceu, quando vc, tremendo de frio, não vestiu meu casaco porque tem pavor de branco... Mas aos poucos eu vi que você é, na verdade, um doce! Você tem essas coisas que eu também tenho, porque você também se interessa pelos humanos e seus pensamentos... Eu na Filosofia, você na Psicologia, no fundo buscamos a mesma coisa! E eu admiro isso em você, porque você me mostrou ser muito mais inteligente e interessante do que eu podia imaginar... Isso sem perder seu lado engraçado e divertido, que é o que geralmente acontece com pessoas que pensam demais... Obrigada por tudo!
Guilherme, até agora eu não sei bem quem você é, apesar de ter estado com você praticamente todos os dias em que estive aqui! Talvez seja esse seu jeito meio bossa nova, meio rock and roll, que não me deixe entender bem você... Mas você é um excelente fotógrafo, escritor, motorista, fazedor de brigadeiro e, acima de tudo, uma excelente companhia. Foi chegando assim com jeitinho tímido, menino de interior, mas no fundo é sagaz, é um baita de um viajante, em todos os sentidos da palavra! Sempre disposto a se divertir, sempre de bom humor, topa tudo a qualquer hora e eu precisava de alguém assim, já que a galera tendeu a ficar cada vez mais preguiçosa... Tenho certeza que você fez todas as minhas viagens aqui serem melhores! Obrigada por tudo!
Tuna, nem sei por onde começar. Meu melhor amigo aqui, a pessoa com quem eu mais convivi, com quem eu mais conversei, com quem eu mais saí, quem eu mais xinguei, quem mais sabe da minha vida... Quando você chegou lá em casa com o Gui pela primeira vez, eu pensei: um bebezão grande de 19 anos que se acha muito esperto e sagaz, além de ter um ego que compete em tamanho com o meu... mas no segundo dia que estive com você descobri que você era uma pessoa incrível, brilhante (e isso não tem nada a ver com vc ter começado a faculdade de Direito com 16 anos), companheiro, carinhoso, engraçado e, o que mais me fez gostar de você, curioso pelo mundo como eu, viajante como eu. Conhecer você onde conheci e no momento que conheci foi um presente do Universo pra mim. Sem dúvida, você foi quem mais mudou a minha forma de ver as coisas aqui, talvez pela sua relação com amigos e família, talvez por todas as conversas que tivemos... Eu lembro que você disse uma vez que não se achava um cara comum porque sabia que de certa forma você acabou mudando a vida de todas as pessoas das quais você de alguma forma se aproximou... apesar de eu ter achado você um convencido pretensioso na época, pode ter certeza que isso é verdade! Obrigada por tudo!
Claro que eu teria que agradecer e estender essa verdadeira catarse a todas as outras pessoas que eu conheci aqui, que tenho certeza que me ajudaram a chegar a essa reflexão, mesmo que indiretamente ... Bia, Ricardo, Sarah, Giulia, Marco, Manu, Thiago, Luna, Rafal, Mabel, Yigit, Utku, Javier, Ana, Marina, Juliana, Estela, todos os outros espanhóis, italianos, polacos, tchecos, turcos, brasileiros, portugueses, a todos vocês, obrigada por passarem na minha vida e adicionarem algo a ela, mesmo que vocês não saibam.
Espero que quem leia, se alguém ler, entenda que o meu caminho não mudou. É o mesmo curso a percorrer, são os mesmos objetivos, os mesmos planos... O que mudou foi a minha maneira de encarar as coisas e trilhar esse caminho. Uma mudança interna, psicagótica, que talvez ninguém percebesse se eu não tivesse postado aqui. Mas uma mudança crucial pra mim e que me fez querer deixar as pessoas saberem que, mais do que nunca, eu sei o valor delas.
A todos vocês, meus votos de um 2011 repleto de realizações, de desejos, de amores, de paz, de saúde, de sucesso, de beleza, de felicidade.
Joyeux nouvelle année, mes chères amis!
Ainda penso o que dizer sobre... Mas você que pensa que não notamos!
ResponderExcluirÉ visível que vc é mais Ana do que nunca! E por isso linda, especial e amiga!
Sinto sua falta!
Beijos e comento mais... hahaha